Reflexões sobre a ergonomia aplicada aos ambientes construídos e caminhos percorridos
Por Vilma Villarouco, publicado em: MONT’ALVÂO, C. e VILLAROUCO, V. (orgs.) . Um novo olhar para o projeto: a ergonomia no ambiente construído. 1. ed. v.4. Olinda, PE: Livro Rápido, 2018.
A utilização dos conceitos e aplicações da ergonomia aos estudos do ambiente construído tem sido tratada de modo crescente nas duas últimas décadas, por alguns grupos de pesquisa brasileiros. Esta afirmação pode ter como um dos embasamentos, o número crescente de artigos apresentados nos ENEAC’s (Encontro Nacional de Ergonomia do Ambiente Construído) desde sua primeira edição no ano de 2007, complementados por trabalhos apresentados nos ENCAC’s e ENTAC’s (Encontros Nacionais de Conforto e de Tecnologia do Ambiente Construído respectivamente) anteriores à criação do ENEAC e até hoje, que trazem o olhar ergonômico sobre os ambientes de trabalho e de vida.
No decorrer desse tempo, diversas pesquisas foram conduzidas consolidando ferramentas, métodos e metodologias, trazendo estudos de outras áreas para os trabalhos em EAC, quando também foram sendo consolidados os ENEAC`s e alguns grupos e laboratórios de pesquisas desenvolveram importantes temas em seus estudos.
Muitos pesquisadores do ambiente construído e habitado vem inserindo a visão ergonômica nos seus estudos a partir do entendimento da abordagem sistêmica preconizada pela ergonomia, reconhecendo sua importância. Seja utilizando metodologias específicas, seja adotando uma linha multimétodos, ou ainda a conjugação de ferramentas diversas, é possível ser identificada a aplicação da visão sistematizadora em significativa parte dos trabalhos na temática da Ergonomia do Ambiente Construído (EAC).
Nos anais dos ENEAC’s, por serem eventos compostos pela EAC mas também pelos seminários de acessibilidade integral, encontram-se diversos trabalhos que particularizam esta linha, ao que cabe o questionamento: pode ser considerado ergonomicamente adequado o ambiente, ou o edifício, não dotado de acessibilidade?
Quando falamos em ergonomia referimo-nos a conforto, a bem estar, a adequação ao ser humano, seja de ferramentas, postos de trabalho, ambientes ou dos demais elementos do sistema onde ele esteja inserido. Não é possível pensar em ergonomia aplicada ao ambiente construído sem considerar a acessibilidade, o design universal, a inclusão de todos, sem que sejam necessárias soluções que se caracterizam como um “jeitinho” para que alguém com deficiência possa utilizar. Falamos em soluções projetuais que atendam a todos, independente da condição de cada um.
Nessa direção, o crescimento do ENEAC deve ser entendido pelo conjunto, independendo se nos reportamos a quaisquer das duas linhas nele contidas. O evento foi sendo solidificado ao longo dos 12 anos de sua existência, agregando mais pessoas e denotando o interesse e a produção crescente dos grupos.
Compondo esse conjunto, o Grupo de Pesquisa em Ergonomia Aplicada ao Ambiente Construído da UFPE (Registrado no CNPQ), vem trabalhando na temática e contribuindo para as pesquisas na área. É na produção deste grupo que repousa o foco do presente texto, que visa expor a trajetória das pesquisas que vem se consolidando desde a sua criação no ano de 2009, agregando sempre novos elementos aos estudos e abrindo possibilidades para a expansão do conhecimento na área.
Tratando de Ambientes Ergonomicamente Adequados Seriam Ergoambientes?
Por Vilma Villarouco, publicado em: MONT’ALVÃO, C. e VILLAROUCO, V. (orgs.). Um novo olhar para o projeto: a ergonomia no ambiente construído. 1. ed. v.1. Teresópolis: 2AB, 2011
A ergonomia aplicada aos ambientes físicos tem experimentado um alargamento de fronteiras em anos recentes. A criação de grupos de pesquisas que investigam a matéria, a preocupação com o estabelecimento de metodologias de abordagem ergonômica do ambiente, e o crescente número de trabalhos publicados em eventos que abrigam a matéria, denotam a existência de uma área (ou sub-área) em franca consolidação.
Contribui com esse cenário o entendimento necessário de que a equipe de ergonomia, ao se deparar com demandas por análises ergonômicas, precisa estar habilitada a avaliar a situação de trabalho (ou de desenvolvimento de atividades quaisquer) sob os diversos aspectos que a condiciona e isto inclui o ambiente físico que a abriga.
FIALHO e SANTOS (1997, p.20-21) colocam que: “a prática do ergonomista consiste em emitir juízo de valor sobre o desempenho global de determinados sistemas homem(s)-tarefa(s). Como tais sistemas normalmente são complexos, envolvendo expectativas relativamente numerosas, procura-se facilitar a avaliação sobre o desempenho global apoiando-se no princípio da análise-síntese. Este princípio se baseia na decomposição do juízo global (apreciação do desempenho global) em juízos parciais (apreciações parciais sobre desempenhos parciais) e sua conseqüente recomposição”.
Nessa decomposição diversas áreas surgem como necessidades de aprofundamentos e comportam sub-divisões que permitem análises focais, a fim de que na recomposição, juntas, componham a completa análise ergonômica da situação de trabalho.
Ora, certamente haverá unanimidade em concordar que as tarefas e atividades que compõem o trabalho desenvolvem-se no interior de ambientes e que estes, precisam contribuir para que o homem, inserido na situação de trabalho, sinta-se em bem estar no ambiente em que invariavelmente, passa boa parte da sua vida.
Além disso, é sabido que há ambientes que em nada contribuem com o trabalho, nem com o trabalhador. Apresentam problemas diversos, que tanto podem ser de dimensionamento, quanto de acessibilidade, de iluminação, de cores, ou outros condicionantes físicos quaisquer, como de organização, de layout, do posto de trabalho, ou ainda de sensações percebidas, que dizem respeito aos aspectos cognitivos e sensoriais experimentados pelos usuários. Nesse último segmento, a análise do ambiente precisa também contemplar a compreensão das expectativas e necessidades daqueles que o utilizam, sejam proprietários ou funcionários.
Dessa breve introdução, identifica-se a variedade de conhecimentos envolvidos nas questões dos ambientes físicos em ergonomia.
O ambiente está adequado?
Por Vilma Villarouco, publicado em: Anais do I ENEAC – ENCONTRO NACIONAL DE ERGONOMIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO, Recife, 2007, UFPE.
Inicia-se este trabalho com colocações já publicadas em eventos anteriores, ou em boletins da ABERGO, com o objetivo de trazer à memória pontos de estímulo à discussão que, embora já tratados, ainda carecem de reflexão, do delineamento de contornos, de foco, de consenso.
Inicia-se a abordagem considerando que, similarmente aos demais ramos da ergonomia, as questões que cuidam do espaço de trabalho visam primordialmente a identificação de elementos contrários à facilitação do desenvolvimento das atividades e tarefas em seu interior. Seus estudos procuram apontar alternativas a partir das falhas localizadas e das interferências negativas. Nestes conteúdos, importantes links entre a ergonomia e a arquitetura, insere-se uma sutil relação que desliza do cognitivo ao tecnológico, incluindo as questões que tratam das sensações e percepções experimentadas na apropriação espacial pelo usuário.
Uma arquitetura ergonomicamente adequada, sempre visará ajustar a situação projetual ao homem e nunca o sentido inverso. Sob essa ótica, o fazer arquitetural traz como elemento primordial e fundamental o usuário, tomado na total complexidade do ser humano, em seus aspectos físicos, culturais, psico-sociais e cognitivos. Note-se, portanto, que não será possível a consecução de uma arquitetura preocupada com seu usuário, se este não for tomado como peça fundamental do processo de projetação, sem o entendimento dos seus desejos e anseios ambientais, sem a busca da adequação à função que desempenhará tal espaço (VILLAROUCO, 2002).
Nesse sentido, é de absoluta importância a distinção entre ergonomia e antropometria, sendo esta uma das áreas do conhecimento que auxiliam a primeira, não sendo possível alguém pretender como ergonomicamente adequado, um espaço projetado apenas com foco nas questões antropométricas.
Preocupação complementar emerge-nos também em relação a algumas abordagens conferidas à EAC (Ergonomia do Ambiente Construído), que em muitos casos tem sido trabalhada com seu foco unicamente nos aspectos do conforto ambiental, ou seja, nos estudos de conforto térmico, acústico e lumínico, historicamente trabalhados na arquitetura, por especialistas daquela área. Cuidamos de abordar tais questões no Boletim da Associação Brasileira de Ergonomia visando exatamente, a elucidação focal da EAC (VILLAROUCO,2007).
Entendemos, portanto, que o olhar ergonômico sobre o espaço de trabalho deve acompanhar a mesma abordagem abrangente, multifacetada e holística das demais áreas de atuação da ergonomia.
O caráter sistêmico e articulador da visão ergonômica conferem o equilíbrio entre os diversos segmentos envolvidos na consecução de ambientes de trabalho agradáveis, ajustados, adequados à sua função e àqueles que o utilizam.
Além disso, olhar um projeto como olhos de ergonomista é antever sua utilização, é conjugar condicionantes físicos, cognitivos, psico-sociais e culturais, objetivando identificar o elenco de variáveis passíveis de atendimento no produto proposto. Desenvolver esse olhar crítico, minucioso é acima de tudo, entender que o produto do fazer projetual destina-se a abrigar o homem, que com toda sua bagagem vivencial, representa o personagem central do ato de habitar, em sua significação mais ampla (VILLAROUCO, 2004).